Cristianismo e Fascismo

Quase todos nós, cidadãos que habitam os países do ocidente, somos cristãos de alguma maneira. Até mesmo os ateus. Isso porque desde a infância somos formados com os valores do cristianismo, seja na família, na escola ou em qualquer outro espaço de interação social. Somos ensinados a cultivar o respeito ao próximo, a compaixão, a solidariedade e outros valores que, mais do que cristãos, são civilizatórios.

Com todo o meu respeito aos cristãos que orientam a sua prática baseada numa perspectiva humanista, como todo que se diz cristão deveria fazer, tenho que lhes dizer uma verdade incômoda: vocês são uma minoria no Brasil. Não tenho pesquisas científicas específicas para embasar tal afirmação Mas a manifestação da população quanto a temas polêmicos e, principalmente, o comportamento da população dita cristã nas últimas eleições, me permitem fazer essa ilação.

Se Cristo voltasse a Terra nos dias de hoje, mais precisamente no Brasil, provavelmente teria o mesmo destino. Se o povo fosse convocado para escolher entre Jesus e Eduardo Cunha, provavelmente o evangélico Cunha seria libertado e Cristo novamente crucificado.

O Brasil é o maior país cristão do mundo. Mas é também o maior país de cristãos hipócritas do mundo. Por aqui abundam “cristãos” intolerantes e sem compaixão, preconceituosos e juízes cruéis de seus semelhantes, propagadores de mensagens carregadas de ódio. Muitos dos cristãos brasileiros parecem mais seguidores de algum anti-cristo. Nas últimas eleições se destacaram em selfies fazendo “arminha com a mão”. Fotos tiradas até dentro de templos. Perdoai-os pai, eles continuam a não saber o que fazem”, talvez Cristo dissesse nos dias de hoje.

Ressalva importante: ser cristão não é declarar-se cristão, tampouco praticar uma religião cristã. O cristianismo se revela nas atitudes das pessoas. Por isso repito: a maioria dos cristãos brasileiros tem muito pouco de cristianismo na sua prática cotidiana.

O pior problema é que essa hipocrisia se reflete em todas as instâncias da vida social: na política, no esporte, na justiça. Na atuação dos deputados da bancada evangélica, nos atletas de Cristo, nos magistrados moralistas. Tudo isso se funde de uma forma lamentável.

Os exemplos dessa hipocrisia são vários e quase diários. Vemos os aplausos de muitos cristãos aos “traficantes de Cristo”, que destroem e expulsam os terreiros de suas comunidades. Outro exemplo recente e altamente repugnante envolve um juiz tido por alguns como um “herói do combate a corrupção”. Ele anda com a Bíblia embaixo do braço quase como um talibã anda com o seu Alcorão.

Em twitter recente., o juiz Marcelo Bretas demonstrou o seu fanatismo religioso, que seria facilmente encampado por inquisidores medievais. No meio do escândalo que revelou a promiscuidade entre os agentes da operação lava jato, publicou essa pérola:

A teoria da separação dos poderes foi mesmo idealizada por Montesquieu? Veja o que o profeta Isaías escrevera aprox. 2.500 anos antes dele (por volta de 750 AC): ‘Porque o Senhor é o nosso juiz; o Senhor é o nosso legislador; o Senhor é o nosso rei; ele nos salvará.’ (Isaías 33:22) .”

Anteriormente, em palestra na Câmara de Comércio Brasil-EUA, em Nova York, comentou da seguinte forma o suicídio do ex-presidente peruano Alan Garcia:

“A gente tem feito um trabalho razoável, tanto que outros países da América Latina usam material da Lava Jato para investigar seus ex-presidentes, residentes, recentemente um deles cometeu suicídio, o que é lamentável. Acho que as pessoas têm que encarar a acusação e se defender, e não fugir de uma forma covarde de eventual erro”.

Ou seja, o cara que se afirma inocente, é submetido à execração pública antes de ser provada a sua culpa, não suporta a pressão psicológica da humilhação que lhe é imposta e se suicida. Para o juiz talibã de Jesus, é um covarde, Como deve também ser, no pensamento desse fundamentalista, o ex-reitor Cancellier, cuja acusação que lhe foi dirigida mostrou-se infundada, mas o levou ao suicídio.

Esse sujeito de toga se acha imbuído de uma missão divina. Logo, qualquer abuso é justificável. Foi assim que as cruzadas e a santa inquisição cometeram as maiores barbaridades. E em pleno século XXI ainda há gente assim.

Isso não é escolha política, é fascismo. É possível ser de direita, conservador e ter um mínimo de dignidade. Por exemplo, o ex-governador da Guanabara Carlos Lacerda,,que comandou uma campanha das mais asquerosas em oposição a Getúlio Vargas. Na noite do suicídio do presidente, Lacerda tomava champanhe com aliados, esperando a chegada da carta de renùncia que não veio. Quando recebeu a notícia do suicídio do então presidente, assim se pronunciou em uma entrevista:

Quando soubemos que o Getúlio tinha renunciado fomos para a casa de José Nabuco, que estava repleta de gente, inclusive Afonso Arinos, líder da UDN. Abriram champanhe, começamos a comemorar. Até que, já de manhã, alguém telefonou anunciando o suicídio de Vargas. É evidente que houve aquele momento assim de não sei bem como definir o sentimento, em todo caso, não era um sentimento de alegria; era um sentimento de pena do homem, da tragédia humana, da tragédia pessoal do homem, de imaginar a agonia  em que um homem deve estar para chegar a dar um tiro no coração. Isso marca de modo curioso a diferença entre o caráter brasileiro e o caráter de outros povos.

Mesmo o mail vil dos políticos de direita foi capaz de se posicionar com um pingo de dignidade, de compaixão, de respeito ao sofrimento alheio. O que dizer desse juiz narcisista, fetichista das armas e marombado?

A comparação entre a postura do Carlos Lacerda com a do atual juiz distingue muito bem o que é uma opção política de direita e o que é fascismo.

Lamentavelmente, o cristianismo hipócrita do Brasil anda de mãos dadas com o fascismo. E por isso hoje coloca em risco nosso frágil Estado Democrático de Direito.

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