E a farsa se repete enquanto história.

Criamos nosso mito. O mito é uma fé, uma paixão. Não é necessário que seja uma realidade. O que dá realidade é o fato de que estimula, dá fé e dá valor.” Benito Mussolini (discurso proferido em Napoli, 22 de outubro de 1922, às vésperas da “Marcha sobre Roma”).

Noi abbiamo creato il nostro mito. Il mito è una fede, è una passione. Non è necessario che sia realtà. È una realtà nel fatto che è un pungolo, che è una speranza, che è una fede, che è coraggio.(Opera Omnia, XVIII, p.160)

O cientista político David Runciman, em livro lançado no ano passado no Brasil, diz que não devemos buscar nas experiências fascistas do século XX respostas que nos ajudem a entender o retrocesso democrático que vemos pelo mundo na atualidade.

Bem, sou daqueles que discordam do prestigiado acadêmico da universidade de Cambridge, ainda que parcialmente. Claro que os diferentes momentos históricos devem ser contextualizados. Mas muita coisa se repete sim. E a paródia que faço da frase de Marx no título desta postagem é para provocar essa reflexão.E exemplifico com a epígrafe, uma citação de Mussolini pouco lembrada.

O fascismo renasceu no mundo. Claro que os neofascistas não reivindicam essa herança histórica. Se eles são uma redenção, não podem se identificar com a barbárie. Daí as elaborações intelectuais bizarras, tal como atribuir o rótulo de “esquerda” ao nazismo.

Não vou apontar mais semelhanças, pois já o fiz em postagem recente (“A preparação para a noite dos cristais tupiniquim”). Também não vou comparar Mussolini a Bolsonaro. Apesar do quadro de perturbação mental de ambos, Mussolini não era um boçal. Pelo contrário, era inteligente, culto e bem articulado. Sua obra completa, entre textos e discursos, soma mais de trinta volumes.

Bolsonaro é um fascista intuitivo, um boçal, que age na mesma lógica dos demais fascismos. O objetivo é ocupar o poder totalmente, golpear o Estado Democrático e eliminar dissidências. O que é assustador é o percentual da população que não se escandaliza com isso e, pior, apoia essa insanidade. Não menos grave é o fato de que há os democratas que minimizam os riscos que podem advir desse alucinado. “Nossas instituições são sólidas”, dizem. O mesmo erro do passado, em vários lugares e períodos da história.

O fascista é um determinado. É uma profissão de fé. Não costuma recuar nem desistir de seus objetivos. Só é retirado do poder à força, pois recusa a democracia. Antes das eleições, anuncia que se for derrotado será por uma fraude. Uma vez no poder, não vai deixá-lo sem oferecer resistência.

Quanto ao fracasso econômico que se anuncia, tentarão creditá-lo na conta daqueles que “não o deixam governar”. Para convencer a população disso, mentiras serão despejadas aos roldões pelos seus seguidores. A postura covarde – ou mesmo cúmplice – dos meios de comunicação e do judiciário os estimula a essas práticas.

O fascismo propaga o mito de que é possível uma sociedade idealizada, pura e homogênea e sem dissensos, onde minorias não tem vez (“tem que se curvar a maioria”). E que, para chegar a esse ideal, não é possível seguir os princípios do Estado Democrático de Direito. Por isso Bolsonaro chegou a propor a legalização das milícias. Pela mesma razão, o ex-juiz Moro e o Procurador Deltan rasgaram a Constituição Federal, o Código Penal e o código de ética de suas profissões na operação Lava-jato. Nem por isso foram devidamente repreendidos pela mídia e pelo STF. Assim avançam.

Para o fascista, só é possível derrotar o crime de forma criminosa. Crimes praticados por “cidadãos de bem” não são crimes, na visão deles. Não se julgam criminosos. A desfaçatez de Moro ao ser flagrado pelo jornalismo do Intercept é reveladora (e assustadora).

Por tudo afirmo: Ainda teremos tempos bem difíceis pela frente. De crise em crise, o governo vai ficando cada vez mais acuado, e seus seguidores cada vez mais ferozes. Os fascistas não vão recuar sem provocar um confronto em que acreditam sair vitoriosos, a missão divina que julgam estar destinados a realizar.

Moro já cumpriu o seu papel e poderia ser facilmente descartado e minimizar a crise que só se inicia. Se não fosse um porém: a queda de Moro pode significar a liberdade de Lula. Coisa que comandantes militares e fascistas do governo (não será pleonasmo?) não aceitam. Nunca a vida de Lula esteve tanto em risco.

A defesa de Moro conta com a mesma complacência e cumplicidade que a Polícia Federal, a grande imprensa e o judiciário tiveram no “caso Lula”. Esses agentes públicos também tiveram sucesso em abafar o caso Queiroz e esfriar a busca pelos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Em jogo está a manutenção ou não do Estado Democrático de Direito. E o futuro do Brasil nos próximos cinquenta anos.

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